Asma, uma doença negligenciada no Brasil
As doenças respiratórias crônicas estão entre as prioridades globais propostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e aprovadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2011. A asma é a doença respiratória crônica mais frequente, acometendo 234 milhões de pessoas em todo o mundo, das quais cerca de 20 milhões estão no Brasil. É a enfermidade crônica mais comum entre crianças e adultos jovens, uma das principais causas de hospitalizações no Brasil, traz enorme sofrimento e resulta em custos elevados para as famílias e para o sistema de saúde. Lamentavelmente, ainda mata mais de 2 mil brasileiros a cada ano. Mortes prematuras e passíveis de prevenção. A despeito disso tudo, não há no país nenhum plano de ação para o controle da asma em âmbito nacional. Existe maior acesso a medicamentos essenciais, há uma série de normas do Ministério da Saúde, várias iniciativas bem sucedidas em instituições ou cidades, mas isso não basta. É preciso capacitar os médicos de família de todo o Brasil para o diagnóstico e o tratamento da asma.
Um dos principais resultados da negligência para com a asma é o subdiagnóstico, situação em que o paciente tem asma, mas a doença não é identificada e, por conseguinte, não é tratada. O subdiagnóstico da asma resulta da negligência de todos e todas: indivíduos, familiares, profissionais de saúde, mídia e políticas de saúde, num contexto de banalização irresponsável da doença, ainda considerada um problema episódico sem risco de consequências graves, que resulta também em má adesão ao tratamento.
Na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar de 2012, realizada pelo IBGE e pelo Ministério da Saúde com uma amostra de mais de 100 mil escolares de todo o país, havia sintomas de asma em 23,2% dos adolescentes, mas relato de diagnóstico de asma em apenas 12,4%. Esta observação confirma estudo que publicamos também em 2012 em colaboração com vários experts internacionais em asma, partindo de dados de uma amostra de quase 5 mil adultos de todo o país avaliados por inquérito da OMS e encontramos os mesmos 12,4% de asma diagnosticada por médico, mas 22,6% de pessoas com sintomas de asma. A diferença de mais de 10% entre a proporção de pessoas que têm sintomas sugestivos de asma e as que têm diagnóstico indica que o subdiagnóstico pode ser um problema muito grande.
A principal barreira para o adequado diagnóstico e tratamento da asma é certamente a desinformação. As lideranças de organizações profissionais e da iniciativa global contra a asma (Gina) não se cansam de chamar a atenção para o problema. A falta de diagnóstico da doença pode provocar sérias consequências, tais como o tratamento equivocado. A falta de tratamento adequado pode permitir o agravamento da doença, com risco de morte e de perda irreversível da capacidade pulmonar do doente.
A discussão de ações para a prevenção e o controle das doenças respiratórias crônicas no Brasil é imprescindível e urgente. É crucial encorajar a formulação de políticas públicas voltadas para a otimização do controle da asma de forma sustentável, a partir da capacitação dos médicos de família e demais profissionais da atenção básica. As lideranças da Gina no Brasil promoveram recentemente a Conversa compartilhada em asma, evento que de forma inédita reuniu 40 especialistas - entre médicos, enfermeiros e farmacêuticos - para discutir como instaurar, gerir e manter centros de tratamento da asma, além de compartilhar experiências bem sucedidas. O debate servirá como base para a confecção de um manual prático, com informações sobre o tratamento em centros de referência em asma, imprescindíveis para dar apoio aos médicos de família nos casos mais graves ou de difícil diagnóstico.
A Organização Mundial da Saúde promoverá em Salvador, na Bahia, de 14 e 16 de agosto de 2014, a 9a. Reunião Anual da Aliança Global contra Doenças Respiratórias Crônicas (Gard) (http://www.gardbrasil.org/), pela primeira vez na América Latina. A reunião da Gard contará com a presença de autoridades da OMS e do Ministério da Saúde do Brasil e representação de dezenas de experts em asma e Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) do Brasil e de todos os continentes, representando organizações membro da Gard e iniciativas nacionais de dezenas de países. O tema principal a ser discutido é a capacitação de profissionais da atenção básica para o tratamento das enfermidades mais comuns, incluindo a asma e a DPOC, dentro do Plano de Ação da OMS para as Doenças Crônicas Não Transmissíveis 2013 - 2020.
Esperamos que as experiências brasileiras bem sucedidas no controle da asma recebam maior reconhecimento dos gestores do Sistema Único de Saúde brasileiro para que possam dar o apoio necessário à atenção básica, e que práticas de capacitação comprovadamente eficientes, avaliadas em outros países, sirvam de base para revisão das políticas e práticas atuais que mantêm a negligência à asma no Brasil.
Fonte: Hermes Pardini