Imunoterapia promete auxiliar no tratamento contra o câncer
“Descobriu-se por que o sistema imunológico não se defendia das células cancerosas. E com o novo tratamento, essa resposta já é possível em alguns tipos da enfermidade. Entenda a imunoterapia”
O fármaco está sendo avaliado para estes tumores: cabeça e pescoço, pulmão, rins e estômago. Quando fui convidada para o maior encontro de oncologistas do mundo, evento que reúne mais de 35 mil médicos, fiquei entusiasmada. Neste ano de 2015 o lema escolhido para representar a convenção dos oncologistas clínicos (ASCO) foi 'Iluminação e inovação, transformando dados em aprendizado'. Eu desejava entender mais sobre o câncer. E não só por razões profissionais, mas porque duas pessoas de minhas relações próximas têm essa doença. Um deles já apresenta uma metástase (um tumor que se forma em outra parte do corpo diverso daquele original). O outro acabou de descobrir um tumor de pâncreas. O primeiro deles é meu pai; o segundo, um amigo muito próximo. Confesso que, diante dessas notícias, primeiro tive uma sensação de desespero. Depois, veio a raiva e a descrença. Questionei o proveito das terapias indicadas, temi o sofrimento de ambos. Em meio a essas emoções, o famoso neurologista americano, Oliver Sacks, publicou uma carta aberta no jornal The New York Times revelando que, aos 81 anos, acabara de saber que tinha várias metástases em seu fígado. Solenemente ele declarou que não se submeteria a nenhum tipo de tratamento. Movida por todos esses acontecimentos e cheia de questionamentos na cabeça, me apresentei ao primeiro dia do evento. Pelos corredores do congresso só se falava da promissora imunoterapia. Trata-se de uma estratégia terapêutica descoberta há menos de cinco anos e que utiliza o poder do sistema imunológico para combater o câncer.
A promissora terapia
Antes de explicar como isso funciona, conto a vocês que a primeira pergunta que meu pai me fez quando recebeu a indicação da quimioterapia em seus quase 80 anos foi: mas, afinal, como isso vai me ajudar? Estamos falando de um homem letrado, mas mesmo sendo capaz de entender o que está acontecendo, ele queria uma explicação. Eu, uma editora de saúde, não sabia o que dizer. Resolvi contar-lhe a história que lhes conto agora. “Na guerra contra o câncer, você é o general. A doença é o inimigo. A ‘químio’ é o seu exército. E todos os dias suas tropas se levantam para combater bravamente. Entretanto,como em toda guerra, ao enviar seus soldados ao front, mesmo que eles combatam eficientemente, você perderá parte de seus homens. Esta é a sua batalha diária!”. Ele se calou por um momento, e disse: “Ah, então é assim?”. Mudamos de assunto.
A luz do futuro
Meu pai teve um diagnóstico de câncer há mais de dez anos. Nesse período superou complicações. Já meu amigo achou que seus sintomas eram uma crise de diverticulite aliada a uma febre que o levou ao pronto-socorro. O plantonista foi tão cuidadoso, que pediu uma tomografia. E lá estava um câncer! Durante as sessões do ASCO, um dos palestrantes falou sobre como é comum que os diagnósticos aconteçam por acaso. O conselho dele para seus pares é lembrar os pacientes de não faltarem aos exames periódicos. Diagnósticos precoces, em muitos casos, aumentam as chances de sucesso dos tratamentos. Fiquei pensando que se meu pai e meu amigo tivessem um câncer de pele, mesmo em sua forma mais agressiva (melanoma avançado) ou um câncer de pulmão, eles poderiam se beneficiar da imunoterapia. Neste momento o custo ainda é alto, mesmo para quem vive nos Estados Unidos (US$ 9 mil adose). Porém para esses dois pacientes essa não é uma alternativa possível.
Defesa turbinada
A boa notícia é que já existem cientistas observando a eficácia desse tipo de medicamento para ao menos30 tipos de câncer, como cabeça, pescoço, estômago, como única terapia ou combinada com recursos tradicionais (quimioterapia, radioterapia, cirurgia etc.). E há já dois deles aprovados nos EUA, onivolumabe e o pembrolizumabe. Este último, em breve, estará disponível no Brasil. A ação do fármaco é combater a inibição da resposta imunológica contra o tumor, reforçando o sistema de defesa do paciente e permitindo que o organismo reconheça e ataque apenas as células cancerosas de forma mais eficiente. A resposta que se espera é que haja uma restauração de a capacidade do sistema imunológico defender-se do câncer, reduzindo o tumor e bloqueando sua evolução. Segundo o oncologista Stephen Stefani, do Instituto de Câncer Mãe de Deus (RS), a diferença entre o tratamento tradicional e este é que o primeiro busca “matar” o câncer interferindo no funcionamento da célula doente.“A imunoterapia muda o ambiente que estava confortável para a célula tumoral, de forma que o tumor não cresça e se espalhe.”
Mais tempo, menos toxicidade
Um estudo que envolveu vários centros de pesquisa do mundo, chamado KEYNOTE-006, concluiu que esse tipo de terapia aumenta o tempo de vida e a resposta positiva à doença. Além disso, verificou-se a melhora na qualidade de vida. As reações adversas também se mostraram mais brandas. Olavo Feher, oncologista do Hospital Sírio-Libanês (SP), acrescenta que essa abordagem terapêutica tem um perfil de efeitos colaterais diferente da quimioterapia. “Ela não causa a queda de cabelo, náuseas, vômitos,aftas etc. As principais toxicidades são inflamações como colite ou pneumonite.” Stefani concorda e completa que embora esses fármacos não estejam livres de efeitos colaterais,“ eles são manejáveis na maioria dos casos”.
Tratamento revolucionário?
Diante dessas declarações, poderíamos pensar que essa estratégia mudará a forma de tratar o câncer. Mas o oncologista clínico e diretor técnico do Instituto COI de Pesquisa em Câncer (RJ), Mauro Zukin, afirma que nos últimos anos ficou claro que não há um único tratamento para todos os tumores, dados os seus distintos subtipos e respostas. “Como pesquisador, creio que as terapias se complementarão. O interessante e a beleza da imunoterapia é que usamos o ‘homem’ para combater um ser estranho ao organismo, como se fosse uma bactéria ou vírus, mas de uma maneira mais inteligente.”
Ciência acessível
Luciana Holtz, psico-oncologista e presidente do Instituto Oncoguia, também comemora a chegada de mais uma alternativa de tratamento. “Apesar dos desafios e da imensa falta de informação, o que mais as pessoas e pacientes esperam é a chegada dos avanços científicos e que estes estejam acessíveis. "Cabe a nós pensar juntos como faremos para que esses avanços estejam disponíveis a preços justos a todos que podem deles se beneficiar”, diz. Mas Zukin declara: “hoje esse tratamento não é para todos e é preciso saber qual paciente se beneficiaria dessa estratégia. De todo modo, o custo seria uma barreira para o Sistema Único de Saúde (SUS)”.
Seja como for, ao testemunhar o trabalho de tantos cientistas, ao ver estampado em suas faces a alegria de relatar a seus pares o sucesso de terapias capazes de beneficiar pacientes com câncer, entendi que quando o valor que está em jogo é a vida, não se deve desistir nunca. Quisera poder dizer a meu pai que seu exército, agora, foi especialmente treinado para não se deixar abater pelas células inimigas. Mas ao menos posso dizer-lhe que, aqui, deste lado da mesa de trabalho, a minha arma contra o câncer é a possibilidade de divulgar informações como estas.
Fonte: Revista Viva Saúde (17 de Jul de 2015)
*Cristina Almeida viajou à Chicago para o Encontro Anual da American Society Of Clinical Oncology (ASCO) a convite da MSD | Infográfico:Consultoria de Mauro Zukin | Ilustrações Shutterstock | Fonte American Cancer Society; Centers For Disease Control And Prevention (CDC); Instituto Nacional de Câncer (INCA); Ministério da Saúde. Com a Consultoria